"Não era possível que aquilo ainda ali
estivesse, depois de tanto tempo a chover.
A mancha persistia como se quisesse
dificultar o seu esquecimento junto dos responsáveis.
Como se pretendesse que
quem ali passasse e não soubesse de nada, ficasse pelo menos a pensar qual
seria a circunstância que a criara.
Podia parar de chover, mas nem o sol que
pudesse aparecer, nem os passos descuidados de quem por ali passasse a iriam
desfazer.
O único consolo era que apenas os intervenientes
iriam ficar a saber porque estava ali aquela mancha, porque as centenas de
outros que ali passassem apenas sabiam que estava ali uma mancha.
Francisco franziu a testa, apertando os
olhos, como se a visão estivesse a ficar desfocada de tanto fixar o ponto
manchado no chão. A visão não estava desfocada, ele estava apenas preocupado
com o que Alice iria dizer quando ele lhe contasse.
Tinha quase a certeza de que ela não iria
entender.
***
A chuva parara de facto, mas o desconforto
que ela provoca quando nos deixa molhados, atingira Francisco no seu interior
mais profundo e nem o livro dobrado que tinha no fundo do bolso lhe trazia
consolo.
Francisco enfiou as mãos nos bolsos e
encolheu os ombros em desalento. Não podia fazer nada. Tudo o que fizera para
não chegar àquela situação não resultara e agora de nada lhe adiantava
lamentar-se.
Era o seu legado, pensou. Tinha tanto para
fazer, tão pouco feito e sem ânimo para seguir em frente."
Sob o Sol do Meio-Dia
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